domingo, 27 de julho de 2008

Criptografia química: a Escrita Mágica

A escrita mágica sempre nos chamou a atenção. Enviar recados anônimos, 'criptografados quimicamente', para que um destinatário já instruído possa receber determinada informação totalmente a prova de interceptadores (necessariamente não sendo um de nós... ;-)). Talvez seja isso que torne esse tipo de experiência tão fascinante!

Descrição

Nesse artigo, demonstrarei que por trás das cortinas surge uma química muito didática, principalmente no que tange aos metais de transição.

As mensagens serão escritas em um papel filtro, com uma variedade de soluções aquosas diluídas e incolores. Borrifando esse papel com outras soluções, ocorrerá uma reação química com a solução anteriormente impregnada, e a mensagem secreta será mostrada em uma variedade de cores, de acordo com o reagente.

Materiais e Reagentes necessários:

A maioria desses produtos são tóxicos, tome todas as medidas necessárias de precaução ao manipulá-los.

As quantidades dadas abaixo servem para dezenas de demonstrações, então esteja a vontade para reduzí-las à sua necessidade.
  • 5g de Ferrocianeto de Potássio Triidratado: K4Fe(CN)6.3H2O
  • 5g de Sulfato de Cobre (II) pentahidratado: CuSO4.5H2O
  • 5g de Tiocianato de Amônio: NH4SCN
  • 5g de Nitrato de Ferro (III) hidratado: Fe(NO3)3.9H2O
  • 5g de Nitrato de Chumbo (II): Pb(NO3)2
  • 5g de Iodeto de Potássio: KI
  • 100ml de solução de amônia (2 mol/L), amoníaco comercial com 4% concentração é ideal.
  • Alguns mililitros de fenolftaleína em solução
  • 1 litro de água deionizada
  • 1 pincel comum
Preparando as soluções
  • Fenolftaleína: é preparada dissolvendo 0.1g em 60ml de etanol, e então é adicionado água deionizada até o volume completar 100ml. Essa é maneira usual de preparação dessa solução.
  • Amônia: é preparada dissolvendo 10ml de amônia 30% em 90ml água. O amoníaco comercial com concentração de 4% é OK!
  • Todos os outros sais: dissolver 5g do sólido em 100ml de água
Como eu disse, as quantidades acima são para muitas e muitas demonstrações. Então reduza consideravelmente as quantidades caso tenha o desejo de realizar o experimento apenas algumas vezes.

Demonstração

Escreva suas mensagem com um pincel pequeno em uma folha de papel (papel filtro de preferência), com as soluções de iodeto de potássio, ferrocianeto de potássio, tiocianato de amônio, fenolftaleína e sulfato de cobre. Seque a mensagem com um secador de cabelos.

Todas as soluções irão secar sem deixar nenhuma cor, com exceção do sulfato de cobre, que possui uma leve coloração azul. Mas como está bem diluído deve passar desapercebido pela audiência.

Colocar as soluções de nitrato de ferro (III), nitrato de chumbo (II) e amônia em frascos de spray separados. Podem ser usados frascos comercialmente disponíveis em casas de jardinagem, frascos de perfumes (bem lavados) e etc. Alternativamente, pode-se apenas usar um outro pincel para aplicar essas soluções reagentes sem a necessidade de borrifá-las, implicando no fato de que o pincel deve ser muito bem lavado a cada utilização.
  • Fe(NO3)3.9H2O borrifado na mensagem escrita com ferrocianeto de potássio irá produzir uma cor azul escura (Azul da Prússia [2]).
  • Fe(NO3)3.9H2O borrifado na mensagem escrita com tiocianato de amônio irá produzir uma cor vermelho-marrom, devido a formação do complexo Fe(H2O)5SCN2+
  • Solução de amônia, borrifada nesta última mensagem do complexo de tiocianato de ferro formado, fará desaparecer sua cor devido a formação de hidróxido de ferro (III), o qual possui uma cor muito menos intensa.
  • Solução de amônia, borrifada na mensagem escrita com fenolftaleína, produzirá uma mensagem de cor rosa.
  • Solução de amônia, borrifada na mensagem escrita com o sulfato de cobre, produzirá uma cor azul muito mais intensa, devido a formação do complexo Cu(NH3)62+
  • Pb(NO3)2 borrifado na mensagem de KI, produzirá uma cor amarelo-brilhante devido a formação de iodeto de chumbo.
Outros detalhes

Interessante notar que a reação entre tiocianato de amônio e o ferrocianeto de potássio (II) são muito usados para testar a presença de íons de ferro no estado de oxidação 3+.

Com relação a reação entre amônia e fenolftaleína, qualquer estudante sabe que essa coloração surge devido a reação reversível da fenolftaleína em meio alcalino, que desaparece com o tempo formando uma "tinta temporária", já que o meio perde OH- para o ácido carbônico (CO2 + H2O <--> H2CO3) atmosférico. Uma sugestão interessante aqui é "apagar" rapidamente esta mensagem rosa com uma solução diluída de ácido, como vinagre ou ácido clorídrico.

Pode-se também misturar as soluções reagentes de nitrato de chumbo e nitrato de ferro (III), pois assim que borrifadas, poderão produzir escritas coloridas com as coras amarelo, azul e marrom-avermelhado simultaneamente!


Referências

[1] Classic Chemistry Demonstrations de Ted Lister, Catherine

[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Azul_da_Prússia
.

sábado, 26 de julho de 2008

Prata: do lixo ao tubo de ensaio


A "febre do ouro" frequentemente nos faz esquecer da importância de outras substâncias valiosas do nosso dia a dia. Uma dessas substâncias é a prata!

Os sais de prata, principalmente o nitrato de prata (AgNO3), são importantes na química principalmente em titulações argentométricas de haletos ou simplesmente para testar a presença de halogênios:
Ag+ (aq) + X- (aq) → AgX (s)
Mas o seu uso em centros educacionais está estreitando-se decorrente do seu alto preço (50g de AgNO3 hoje em dia não sai por menos de R$80,00 !). Então o que pode ser feito?

Primeiro, é freqüente o descarte desses sais (sólidos ou em solução) muitas vezes pela desinformação de que através de um tratamento químico simples, a prata pode ser facilmente recuperada destes resíduos.


Segundo, se você pretende usar a prata no futuro, não perca tempo e compre imeditamente antes que os preços subam.

Terceiro, se você puder substituir os sais de prata em suas reações, então o faça agora mesmo: nitrato de chumbo (II) é um ótimo candidato. O Pb(NO3)2 é relativamente solúvel e os seus haletos são muito pouco solúveis, embora a variação no Ksp não é tão regular como nos haletos de prata.

Recuperação da prata nos resíduos

Como já dito, a prata é muito valiosa para ser simplesmente descartada no lixo ou esgoto abaixo,
principalmente por ser facilmente recuperada dos seus resíduos. E o processo em si ilustra uma química interessante.

A prata já é recuperada em escala comercial, a partir de resíduos fotográficos, e há várias técnicas para que isso seja feito:
  1. A prata metálica forma um complexo solúvel através da reação copmo tratamento com tiossulfato de sódio (Ag(S2O3)2-). Conseqüentemente uma mistura de sais insolúveis de prata (10g) podem ser dissolvidos em uma solução (200ml) de tiossulfato de sódio em excesso (normalmente com 20% de concentração em peso). Esta solução é filtrada para que sejam removidas as impurezas insolúveis, aquecida a 60°C e misturada com 6g de zinco em pó. O zinco desloca a prata da solução e um precipitado de prata é formado. O líquido é decantado e o sólido filtrado e lavado com água, ácido clorídrico diluído e aquecido, e novamente com água. O ácido remove o zinco não reagido. [3]

    A prata pode ser dissolvida em ácido nítrico aquoso, produzindo nitrato de prata e NOx gasosos.

    4 Ag + 6 HNO3 → 4 AgNO3 + 3 H2O + NO + NO2

    Ou pode ser derretida formando um botão de prata.

  2. A prata também pode ser recuperada de uma solução por eletrólise, e este método também é muito utilizado comercialmente. Não há razão para que estudantes do ensino médio não possam realizar esta ótima experiência que ilustra a química da prata e seu lugar na fila de reatividade dos metais.

  3. As chapas radiográficas são constituídas de acetato recoberto com sais de prata. Em meio alcalino, o material gelatinoso usado para a preparação da emulsão fotográfica que é constituído de proteínas, se hidrolisa fragmentando e liberando lentamente a prata nela dispersa.

    Esse material é uma suspensão coloidal que leva cerca de 12 horas para sedimentar. [2] Quando se retira o líquido sobrenadante (excesso de hipoclorito), a lama sedimentada contendo ainda material orgânico não totalmente hidrolisado, prata dispersa ainda não oxidada e principalmente cloreto e óxido de prata,quando fervida com sacarose em meio alcalino leva à formação de prata metálica:



Preço nas nuvens

O preço da prata aumentou sensivelmente nos últimos anos (assim como outras commodities), acompanhe sua cotação em tempo real.


Referências

[1] D.Wakeford, 59 (209) June 1978.

[2] Recuperação de prata de radiografias: uma experiência usando recursos caseiros. Química Nova Vol16, Número 5, 1993: link

[3] Procedimentos para recuperação de Ag de resíduos líquidos e sólidos. Quím. Nova vol.26 no.4 São Paulo July/Aug. 2003: link


[4] Safety data for silver nitrate, link

[5] Silver - Wikipedia
the free encyclopedia, link