sábado, 30 de agosto de 2008

Mais do que... Chocolate!


Ahh, o chocolate! Talvez a especiaria mais apreciada em todo o mundo, e provavelmente o produto alimentício com o maior número de adeptos EXTREMAMENTE CRÍTICOS! ;)

Não é por menos que os fabricantes gastam grandes fatias do seu orçamento em pesquisa de mercado, tentando descobrir o que exatamente o consumidor deseja e espera encontrar nesta substância.

E não adianta: o tipo 'perfeito' de chocolate não existe! As receitas variam muito de país em país. A aceitação de um tipo pode ser positiva em uma região, e simplesmente desastrosa em outra. O gosto pessoal é o fator primário nessa aceitação, e normalmente reflete a cultura histórica na produção de chocolate desses lugares. No méxico, por exemplo, pimenta é adicionada nos achocolatados.

Não é preciso dizer que o gosto do chocolate é determinado exclusivamente pela receita. Você pode perceber inclusive que há diferenças no gosto de um chocolate de uma determinada marca, produzido em lotes diferentes. Isso ocorre porque há diferenças em sua estrutura microcristalina; diferenças estas oriundas das técnicas de produção.

Essencialmente, o chocolate é formado por pequenos cristais que variam de diâmetro: de 0.01 mm a 0.1 mm. Essas partículas governam como o chocolate é percebido pelo consumidor.

Para sentirmos o flavor dos compostos no chocolate, eles logicamente devem alcançar nossas células gustativas e olfativas, porém a textura é muito importante. Você pode perceber sua textura na maneira que o chocolate derrete e quebra na boca.

O ingrediente chave é a manteiga de cacau [1]. Trata-se de uma gordura que possui pelo menos seis formas cristalinas diferentes, ou seja, suas moléculas organizam-se de diferentes maneiras para formar um sólido. Consequentemente, diferentes arranjos cristalinos levam a diferentes propriedades físicas no chocolate: mudança em seu ponto de fusão, sua resistência mecânica, brilho e textura.

A habilidade de uma substância em possuir diferentes formas cristalinas, é chamada de polimorfismo (veja a nota 1). Os detalhes do polimorfismo da manteiga de cacau são muito complexas e ainda é uma área de intensa pesquisa. Por outro lado, são conhecidas seis estruturas polimórficas mais aceitáveis pelo consumidor comparado com outras, e a mais utilizada é a forma cristalina convencionalmente denominada V (Forma V ou Fase V): essa forma é a mais lustrosa e macia.

Veja na tabela abaixo os principais tipos e características de cada forma cristalinas. Clique para ampliar:

E o chocolate "esbranquiçado"?

Também comemos com os olhos, e nada mais desagradável (nem tanto! rs) que ao abrirmos a embalagem, encontramos um chocolate recoberto com aquele "filme esbranquiçado". Na hora pensamos "tá estragado!!", mas não é bem assim. Esse 'filme' é produzido em determinadas condições, e está relacionado com a forma com que o chocolate cristaliza. Principalmente se o produto foi armazenado em condições 'erradas'.

Mas os dias do chocolate esbranquiçado podem estar contados, veja nas referência um estudo onde pesquisadores conseguiram evitar que esse filme seja produzido [4].

Notas

Nota 1 - Polimorfismo difere de alotropia, pois no primeiro as propriedades química permanecem idênticas.


Referências

[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Manteiga_de_cacau
[2] http://www.rsc.org/education/teachers
[3] Schenk and Peschar, Understanding the Structure of Chocolate, Radiation Physics and Chemistry 71, 829-835 (2004).
[4] http://www.esrf.eu/news/pressreleases/chocolate

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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A maça podre


"Uma única maçã podre pode estragar o cesto inteiro de maçãs". Quem não conhece esse ditado? Que além de retratar a verdade, possui uma interessantíssima explicação bioquímica.

Durante o processo de amadurecimento, a maioria das frutas produzem e liberam lentamente o gás eteno (etileno). Uma maça muito madura irá produzir este gás em pequeno excesso (quantidade relativa, lembre-se que estamos falando aqui de concentrações na ordem das ppm), estimulando todas as outras maçãs a amadurecer mais rápido, aumentando ainda mais a concentração desse gás no ar. Para evitar isso, é comum o armazenamento de frutas em uma atmosfera inerte, e.g. nitrogênio, que é constantemente renovado para a remoção do etileno já produzido.

Estrutura do Eteno.


Bananas são transportadas ainda verdes, em uma atmosfera inerte e refrigerada. E são armazenadas da mesma forma em cilos e armazéns, até que alcance efetivamente ao comércio: no momento de serem comercializadas, são colocadas em um recinto fechado e tratadas com gás eteno durante certo tempo, o que faz com que o amadurecimento ocorra muito mais rapidamente. O processo natural levaria meses e depende das estações do ano.

O eteno não é produzido apenas pelas frutas, mas sim por toda a planta, incluindo folhas, galhos, raizes, flores, mudas, tubérculos e etc. [1]

Mecanismos bioquímicos

A biosíntese desse hormômio começa na conversão do amino ácido metionina para s-adenosil-l-metionina (SAM) em um processo enzimático. SAM é então convertido para o 1-ácido-1-aminociclopropano (ACC) através da enzima ACC sintase (ACS). A ACS é um agente-limitante na produção do eteno, logo, sua regulação é a chave para a biosíntese do etileno. O passo final requer oxigênio e envolve a ação da enzima ACC-oxidase (ACO).

Assim, o etileno produzido e liberado, pode ser novamente captado e "percebido" pela fruta através de proteínas específicas em sua membrana celular.

Esquematizado abaixo, o Ciclo de Yang, ou Ciclo Bioquímico da Metionina (clique para ampliar):

O mito

Realizar pequenas fissuras ou riscos verticais com uma faca na casca das frutas verdes pode induzir o processo de amadurecimento? A resposta é sim! A produção do eteno pode ser estimulado dessa forma, pois há o aumento do contado do vegetal com a atmosfera.

Há também quem embrulhe as frutas em jornal ou em um recipiente fechado, afim de confinar o eteno produzido estimulando ainda mais o amadurecimento das frutas.


Referências

[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Ethylene

[2] Revista Brasileira de Fruticultura, Rev. Bras. Frutic. v.25 n.1 Jaboticabal abr. 2003: Link
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quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Rayon


Dando sequencia aos artigos sobre polímeros fáceis de serem produzidos em um homelab (Resina Uréia-Formol, um polímero "fácil"), vamos agora falar das fibras de celulose, que descobertas em 1884 por Hilaire Bernigaud, posteriormente receberiam esse nome: rayon.

A celulose, na forma de algodão ou papel, é dissolvida em uma solução contendo íons [Cu(NH3)4]2+, produzindo um líquido viscoso azul. Este líquido é então injetado em ácido sulfúrico com uma seringa para formar fibras de rayon.

Materiais necessários

  • Carbonato básico de cobre (CuCO3.Cu(OH)2.H2O), 10 g
  • Solução de amônia concentrada (30%), 100ml
  • Ácido sulfúrico (1 mol/L), 500ml
  • Algodão (puro), 2g - papel filtro ou jornal é OK, mas dê preferência ao algodão
Procedimento

1) Pesar 10g de dihidroxi-carbonato de cobre em um béquer de 250ml, e em capela, adicionar 100ml de amônia 30%.

2) Agitar por 2 minutos, deixar em repouso e então decantar a solução azul escura sobrenadante - que contem os íons tetraminocuprato (II) - em um outro béquer de 250ml. Esta solução é chamada de Reagente de Schweizer.

3) Adicionar pequenas quantidades de algodão (1.0 a 1.5g) finamente divididos, sob agitação constante, até que a solução ganhe a consistência viscosa, como a de um detergente líquido.

4)
Mexer bem para evitar a formação de caroços e aglomerados, mas com cuidado e evitando criar uma emulsão com o ar. A dissolução completa deve levar cerca de uma hora.

Polimerização

1) Retirar alguns mililitros dessa solução viscosa - que é chamada de "viscose" - com uma seringa evitando carregar junto bolhas de ar.

2) Adaptar a agulha na seringa (preferencialmente hipodérmica), e injetar um fluxo de viscose dentro de aproximadamente 500ml de H2SO4 diluído em um béquer de 1 litro.

A solução viscosa de celulose no reagente de Schweizer
sendo injetada no ácido sulfúrico [2]


3) Uma fina fibra azul de rayon se formará, e aos pouvos se tornará branca assim que o ácido neutralisa a solução e destrói o complexo de cobre.

4) Depois de alguns minutos, remover a fibra cuidadosamente e lavar com bastante água e deixar secar. A fibra é relativamente fraca, e o único propósito da experiência é a ilustração da síntese de um polímero.

As fibras secando em um papel filtro

Teoria

O polímero de rayon possui cerca de 270 unidades(monômeros) de glicose por molécula comparada com o algodão, na qual contém entre 2000 e 10000.

O primeiro passo é a demonstração da reação entre o carbonato básico de cobre com a amônia aquosa, formando íons tetraminocobre (II):

CuCO3.Cu(OH)2.H2O(s) + 4NH3(aq) → CuCO3(s) + [Cu(NH3)4]2+(aq) + 2OH(aq) + H2O(l)

Quando a insolúvel celulose é adicionada nesta solução, converte-se em um complexo solúvel. Que é convertida no rayon insolúvel uma vez que o pH é reduzido para um valor baixo (ácido). Dessa forma o rayon precipita e a cor azul desaparece na medida que o complexo de cobre é difundido na solução.


Referências

[1] Cellulose in Schweizer's Reagent: A Stable, Polymeric Metal Complex with High Chain Stiffness, Prof. Dr. Walther Burchard, Dr. Norbert Habermann, doi:10.1002/anie.199408841

[2] http://www.liv.ac.uk/Chemistry/Events/SchoolsEvents/MolsMaterials/rayon.html

[3] http://www.gorni.eng.br/hist_pol.html

[4] http://inventors.about.com/library/inventors/blfabric.htm
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